Ouve o canto da flauta, como ela conta uma história, queixando-se de separações, dizendo:
Desde que fui separada de meu leito de juncos, meu pranto fez com que homens e mulheres se lamentassem.
Desejo um peito rasgado pela separação, para que eu possa entoar a dor do amor-desejo.
Cada um que esteja longe de sua origem, deseja estar de volta àquele tempo em que estava unido a ela.
Em cada companhia emiti minhas notas queixosas; tornei-me consorte com o infeliz e com aqueles que se rejubilam.
Cada um tornou-se meu amigo a partir de sua própria opinião, nenhum procurou meus segredos dentro de mim.
Meu segredo não está longe do meu queixume, mas ao olho e ouvido falta a luz para apreendê-lo.
O corpo não está velado da alma, nem esta do corpo; ainda assim, a ninguém é permitido ver a alma.
O ruído dessa flauta é fogo, não vento; quem não possui esse fogo, possa ele ser nada!
É o fogo do amor que está na flauta, é o fervor do amor que está no vinho.
A flauta é camarada de cada um que foi separado de seu amigo: seus estridores romperam nossos corações.
Quem jamais viu um veneno e um antídoto como a flauta?
Quem jamais viu um amante mais sedutor e mais ansioso que a flauta?
A flauta conta sobre o caminho cheio de sangue e reconta histórias da paixão de Majnum.
Apenas para aqueles insensatos é este sentido confiado: a língua não possui nenhum freguês salvo o ouvido.
Em nossa aflição, os dias tornaram-se mal vindos: nossos dias viajam de mãos dadas com sofrimentos incandescentes.
Se nossos dias se esvaem – que se vão! – não interessa. Tu permaneces, porque ninguém é mais Santo que Tu!
Quem quer que seja um peixe, torna-se saciado com Sua água; quem não dispõe do seu pão diário, acha que o dia é longo demais.
Nada que seja imaturo compreende o estado do que foi maturado: portanto as minhas palavras devem ser curtas. Adeus!
Ó filho, rompe tuas cadeias e liberta-te! Por quanto tempo ficarás escravo da prata e ouro?
Se despejares o oceano num cântaro, quanto dele irá conter? A ração de um dia.
O cântaro, o olho de quem cobiça, nunca se enche: a ostra não se preenche de pérolas a não ser quando está contente.
Somente aquele cuja veste é rasgada por uma amor (poderoso) fica purgado da cobiça e de todo defeito.
Saudações, Ó Amor, que nos trazes bom ganho – tu és o médico de todos os nossos males.
O remédio de nosso orgulho e vaidade, nosso Platão e Galeno!
Através do Amor, o corpo terreno ascendeu aos céus: a montanha começou a dançar e ficou fraca.
O Amor inspirou o Monte Sinai, ó amante (de forma) que Sinai (ficou embriagado) e Moisés caiu num desmaio.
Estivesse eu unido ao lábio daquele que amo, eu também, como a flauta, contaria tudo o que pode ser contado;
(Mas) quem quer que esteja separado daquele que fala a sua língua, torna-se apático, embora possa possuir centenas de canções.
Quando a rosa se foi e o jardim feneceu, não mais ouvirás a estória do rouxinol.
O Amado é tudo e o amante (apenas) um véu; o Amado está vivendo e o amante é uma coisa morta.
Quando o Amor não cuida dele, é deixado como um pássaro sem asas. Pobre dele, então!
Como deveria eu ter consciência (de algo) antes ou depois, quando a luz de meu Amado não está nem à minha frente, nem detrás?
O Amor ordena que esta palavra seja conhecida; se o espelho não reflete, como é isso?
Não sabes por que o espelho (da tua alma) não reflete? Porque a ferrugem não foi eliminada de sua face.
Ó amigos, ouvi essa história: em verdade ela é a própria medula de nosso estado interno.
(Rumi, Mathnawi)